O Pete Best dos Paralamas

Desde que começou a ser tocada no rádio, há mais de trinta anos, a canção Vital e sua moto, primeiro hit dos Paralamas do Sucesso, ficou na memória do público. A maioria dos que a ouviram é capaz de cantarolar pelo menos o refrão.

Pouca gente, contudo, ouviu falar no personagem que inspirou a música, o baterista Vital Dias, que fez parte da primeira formação do trio. Ele conheceu Herbert Vianna e Bi Ribeiro, os outros dois integrantes, em 1978, em um cursinho pré-vestibular no centro do Rio. Vital era o único que, além de estudar, também trabalhava – para comprar uma moto.

Por sugestão do guitarrista Herbert, Bi ficou com o baixo e Vital assumiu a bateria. O trio ensaiava na casa da avó de Bi, em Copacabana, mas nem chegou a gravar uma fita demo. Parecia que a ideia não passava de uma brincadeira entre amigos. Eles tocaram juntos o ano todo até que, em 1979, entraram na faculdade. Cada um foi para um lado.

Vital Dias, primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso
Vital Dias, primeiro baterista dos Paralamas do Sucesso

Vital não quis acompanhar os colegas quando eles resolveram seguir com a banda de forma profissional. João Barone acabou sendo recrutado para o posto e, em 1983, eles lançaram Cinema mudo, o primeiro disco. Vital e sua moto foi o grande sucesso de estreia. Era difícil dizer se aquilo se tratava de uma homenagem, uma inspiração ou uma ironia (“Vital passou a se sentir total/com seu sonho de metal”).

Por causa de sua desistência Vital chegou a ser comparado com Pete Best, o baterista dos Beatles que deixou o quarteto de Liverpool pouco antes do sucesso mundial. Porém, no fundo, não se sentia assim. Como disse em várias entrevistas, em sua época nos Paralamas eram todos amadores e sem qualquer pretensão além de “fazer zona”.

O caso de Vital está longe de ser único na história da música, toda ela repleta de gente que perdeu o bonde da fama e da fortuna. Um exemplo bastante significativo é o de Henry Padovani, primeiro guitarrista do grupo inglês The Police, em quem Os Paralamas do Sucesso se espelharam.

Padovani nasceu na ilha de Córsega e chegou a Londres em dezembro de 1976 arriscando apenas algumas palavras em inglês. Logo conheceu o baterista Stewart Copeland, que, na época, procurava alguém para se juntar a ele e ao cantor e baixista Sting. Mesmo sendo discípulo de Jimi Hendrix, com os cabelos compridos até a cintura, ele se envolveu com a cena punk inglesa e acabou aceitando o convite de Copeland para se juntar ao novo grupo – sim, ele cortou os cabelos.

Em maio de 1977 eles lançaram o primeiro single, com as canções Fall out e Nothing achieving. Ouvidas hoje, elas parecem algo como The Clash com os vocais de Sting. A permanência de Padovani no grupo começou a ficar ameaçada quando eles conheceram Andy Summers, guitarrista cujo estilo estava mais de acordo com aquilo que Copeland e Sting desejavam para o trio.

Summers foi convidado a integrar o grupo, que durante algum tempo seguiu como um quarteto. Mas as divergências logo começaram. A disparidade entre os dois guitarristas era grande, e nenhum dos integrantes sentia-se satisfeito com os resultados. Após dois meses, Copeland pediu a Padovani que deixasse a banda.

Da esquerda para a direita, Copeland, Sting e Padovani, a formação original do Police
Da esquerda para a direita, Copeland, Sting e Padovani, a formação original do Police

A situação parece não ter abalado o guitarrista demissionário, que logo se juntou a outro grupo, Wayne County and The Electric Chairs, na época bem mais conhecido do que o Police. Padovani, mais tarde, acabou construindo uma sólida carreira como produtor e empresário, sendo responsável, entre outros, pelo lançamento da banda norte-americana R.E.M. Em 2006, quando gravava um disco solo, demonstrou não ter guardado mágoa dos antigos companheiros ao chamar Sting e Copeland para tocar em uma das canções. Apesar da trajetória bem-sucedida profissional e financeiramente, Padovani deixou de ser um membro do Police, e isso para o público aparece e surpreende mais que tudo.

De todos os exemplos, porém, nenhum se iguala ao de Pete Best, considerado por muita gente o sujeito mais azarado do rock.

Pete Best participou da formação original dos Beatles e passou com o grupo as três temporadas que eles tocaram na cidade alemã de Hamburgo, de agosto de 1960 a agosto de 1962, quando os rapazes ganharam experiência e se firmaram musicalmente. De volta a Liverpool, eles começaram a se apresentar no célebre Cavern Club.

Tudo ia bem até que Brian Epstein, empresário da banda, demitiu o baterista, alegando que o produtor George Martin estava insatisfeito com o desempenho de Best. O que mais o magoou foi o fato de nenhum dos companheiros ter aparecido para lhe dar apoio. Quando soube que Ringo Starr o substituiu, ele entrou em depressão. Em 1965, frustrado e com dificuldades financeiras, tentou o suicídio.

A versão oficial da demissão foi contestada muitas vezes depois e, ainda hoje, permanece como uma história mal contada. Além da insatisfação do produtor George Martin, outras razões são apontadas para a saída de Pete Best dos Beatles. Muitos diziam que ele era desinteressado e não partilhava das mesmas aspirações dos colegas. Outros questionavam a sua qualidade técnica. Até a ciumeira dos companheiros foi apontada como motivo, pois Pete Best era boa-pinta e fazia sucesso com o público feminino.

O baterista Pete Best, quando tocava com os Beatles
O baterista Pete Best, quando tocava com os Beatles

Fora do grupo, casado e pai de uma menina, ele chegou a se formar na universidade. Porém, o único trabalho que conseguiu foi de padeiro: ninguém lhe dava emprego pois achavam que a qualquer hora ele poderia voltar para a música – o que Best até tentou, sem sucesso. Depois de um ano trabalhando como padeiro, tornou-se funcionário público.

Em 1988 ele se aposentou no serviço público e decidiu retomar a carreira de músico em uma nova banda, a Pete Best Band. Com a iniciativa, correu o mundo e conseguiu granjear um pouco da fama e da notoriedade que poderia ter conseguido se tivesse continuado com os Beatles. No Brasil ele já tocou em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Vitória.

Assim como Pete Best, Vital Dias também se tornou funcionário público, após se formar em engenharia mecânica. Fora dos Paralamas tocou com um trio de heavy metal, Sadom, que fazia covers do Black Sabbath e do Motorhead, e chegou a lançar um disco independente, Love and Death, em 1990. Depois disso, deixou a música definitivamente. Nessa época, morava em Teresópolis, no interior do Rio.

No final de 2014 Vital foi diagnosticado com câncer. Faleceu um ano atrás, dois dias antes de completar 55 anos.

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