As Arcadas e Villa-Lobos – antes tarde do que nunca

Sua atitude estava de acordo com a onda de irreverência da Semana de Arte Moderna, mas a plateia não o perdoou. Ele resolveu se apresentar de sandálias em pleno Theatro Municipal, em São Paulo, e foi espinafrado sem dó.

Heitor Villa-Lobos, que se orgulhava de ser o compositor mais vaiado do mundo, não teve motivos para se queixar naquela noite. Entre os manifestantes, os mais entusiasmados – e sonoros – eram os alunos da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. As vaias, parte da tradicional “estudantada” da faculdade, foram tão fortes que ele não conseguiu executar a sua peça musical. O pano baixou e ficou tudo por isso mesmo.

O maestro carioca não foi o único a ser enxotado. Algumas conferências também receberam assovios e gritos, e é possível acreditar que muitos até se sentiram lisonjeados com a manifestação. De fato, a ideia era desconstruir.

O maestro Heitor Villa-Lobos.
O maestro Heitor Villa-Lobos.

Havia muita resistência contra a revolução cultural pregada por aqueles malucos, porém, no caso dos estudantes, a ideia era zombar de tudo. Ainda mais tratando-se dos “franciscanos”, cuja fama na época já era consagrada – as trovas não enganavam: “A moça disse p’ra outra / Com esse eu não me arrisco / Pois ele estuda Direito / No Largo de São Francisco”.

Gloriosas Arcadas. Casa de muita gente ilustre – inclusive participantes da Semana de Arte Moderna, como Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida e Oswald de Andrade – e palco de importantes manifestos. Seus estudantes sempre tomaram parte ativa em nome de mudanças. Ou contra elas.

Foi o caso de Monteiro Lobato, que ingressou na faculdade em 1900. Ele não se interessava muito pelo estudo do Direito, mas adorava fazer caricaturas dos professores e se envolver nas atividades literárias. Com os colegas, fundou a Arcádia Acadêmica e o grupo O Cenáculo, nos quais o que menos se via eram os estudos jurídicos. Também colaborava com artigos sobre teatro no jornal Onze de Agosto.

Depois da Semana de Arte Moderna vieram Getúlio Vargas, o Estado Novo, o golpe de 1964, a redemocratização, as eleições diretas, e gente da faculdade, como Goffredo Telles Júnior, continuou fazendo história.

As vaias a Villa-Lobos ficaram no passado, mas muitas pessoas sentiam que era preciso consertar as coisas, e não apenas por uma questão sentimental.

A Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922, teve seu valor amplamente reconhecido, pois quebrou paradigmas e mudou a estética da literatura e das outras artes no Brasil ao dar vazão à cultura popular e permitir que tendências artísticas internacionais perpassassem o até então impermeável tecido social brasileiro. Foi um evento histórico, com todos os elementos para ser classificada como tal. Seus protagonistas passaram a ser merecedores de respeito, não mais de protestos.

A Academia de Letras da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, acabou se rendendo e, dia 8 de junho de 2016, realizou um ato em homenagem a Villa-Lobos no Salão Nobre da instituição. Os organizadores lembraram as vaias dos estudantes a ele durante a Semana de Arte Moderna e apresentaram um pedido de desculpas.

A reparação, portanto, veio com um atraso de 94 anos, e desta vez os alunos capricharam: Dalmo de Abreu Dallari, presidente da Academia de Letras da faculdade em 1956, abriu o evento. O maestro Júlio Medaglia dirigiu um concerto em homenagem a Villa-Lobos, com o pianista Lucas Gonçalves e o violonista Daniel Murray interpretando peças do ilustre compositor.

O velho Villa teria sorrido e aplaudido. Com certeza.

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